Jornal Folha de S.Paulo , sexta-feira 3 de dezembro de 1982
A decisão do governo, de reajustar os aluguéis com base na variação do INPC — em substituição à correção monetária —, limitando ainda os aumentos a 90% desse índice, foi recebido com aplausos, acreditando-se que a intenção foi "favorecer o povo", impondo-se limites ao custo da moradia. O otimismo pode ser rapidamente substituído por forte desapontamento: o verdadeiro objetivo governamental, ao que tudo indica, é apenas abrir caminho para mudanças na política salarial — contra os interesses do povo.
Como assim? Desde 1979, o ministro Delfim Neto defendia mudanças nos cálculos do Índice Nacional de Preços ao Consumidor — INPC, desejando achatá-lo, isto é, "achatar" os reajustes salariais. Esse "achatamento" seria feito de forma muito simples: determinados aumentos de preços seriam "expurgados", isto é, não entrariam nos cálculos do aumento de custo de vida do assalariado (isto é, no INPC). Por exemplo: os aumentos dos preços de petróleo, adotados para reduzir o consumo.
Outro exemplo: os aumentos das tarifas de telefones, luz, água, etc., adotados para garantir que os lucros das concessionárias representem pelo menos 10% de seu patrimônio. Qual a justificativa do ministro para deixar esses aumentos de lado, ao calcular o INPC? Diz a teoria monetarista que esses aumentos de preços — que o consumidor paga — "não fazem parte" da ’’inflação", já que decorreriam não do próprio processo generalizado de alta dos preços, mas de decisões tomadas pelo governo, ou por segmentos econômicos, (caso da elevação de preços, por parte da Opep).
Assim, esses aumentos não deveriam ser considerados nos cálculos da inflação — ou do aumento do custo de vida —, e nem "repassados" para a frente, que é o que ocorre quando os salários são reajustados "também" levando em conta esses aumentos. É preciso, dizem os ministros, que "alguém" absorva esses aumentos, isto é, que algum segmento da sociedade perca uma parte de sua renda — que passa a ser "engolida" por esses custos majorados —, porque se todos quiserem repassá-los haverá altas de custos em cadeia, dentro da economia. Ou, mais simplesmente, inflação.
Há três anos, o ministro Delfim Neto já decidira que o "alguém", ou o "pato" da história deveria ser os assalariados, que teriam reajustes salariais inferiores ao aumento de seu custo de vida, através do "expurgo" do INPC.
Agora, aproveitando a "ida ao FMI", o expurgo do INPC está engatilhado. Como "achatar" salários pode provocar reações, o governo, habilmente, resolveu dourar a pílula: primeiro, adotou uma iniciativa simpática, refreando, aparentemente, os grandes reajustes dos aluguéis. Depois, então, anunciará o "achatamento" dos reajustes salariais — através do "expurgo" do INPC e outras alterações.
PS: Há poucos dias, o próprio Banco Mundial mostrava que a política salarial brasileira não provoca inflação nem desemprego. Se ela vai ser mudada, portanto, não é por "exigência" dos credores internacionais, e sim por vontade dos ministros.