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  Por que lá fora deu certo

Revista Visão , quarta-feira 28 de novembro de 1990


O governo fala em colocar o Brasil no Primeiro mundo, modernizar a economia, sofisticando a indústria. Para chegar lá, a receita de Brasília prevê a abertura total do mercado interno a importações de toda sorte, desde máquinas e equipamento do “último tipo” a quinquilharias eletrônicas e produtos moderninhos, mas completamente desnecessários ao funcionamento da economia. Como parte dessa estratégia, pensa-se em estimular a entrada de novas empresas estrangeiras. Para justificar sua decisão, o governo argumenta que foi assim que as economias dos países considerados ricos se desenvolveram, atingindo as dimensões atuais. Foi por causa do “livre mercado” – afirma Brasília – que aqueles países chegaram à condição de desenvolvidos.

Tudo porque podiam competir livremente, insiste a retórica oficial, e assimilar o que havia de melhor em cada área. Em sua gritante ingenuidade, os porta-vozes do governo chegam ao ponto de usar o discurso dos governantes daqueles países como um exemplo real a ser seguido pelo País. Mas o discurso em defesa do “livre mercado” – como mostra a experiência histórica de todos os países que alcançaram um nível de desenvolvimento autônomo e independente – não passa disso mesmo. Um discurso, criado por Reagan e companhia, repetido exaustivamente aos países em desenvolvimento, mas jamais adotado na prática pelos próprios países ricos. Por conta dessa (falsa) onda de liberalização que estaria “varrendo” a economia internacional, o governo brasileiro decidiu que também a indústria de informática não deverá mais contar com a proteção oficial, partindo para a extinção da reserva de mercado num prazo de dois anos (veja matéria principal da editoria de Economia, nesta edição). Mais uma vez, busca-se lá fora um pretenso modelo para justificar a abertura do mercado de informática às multinacionais. Que já começou com o fim da reserva para a indústria de fibras óticas, um mercado estratégico cobiçado pelos grandes grupos internacionais. Mas foi assim mesmo que Estados Unidos, Japão, Coréia e Alemanha desenvolveram suas indústrias de informática, escancarando seus mercados aos estrangeiros? O governo brasileiro nem precisaria ir muito longe para “descobrir” que foi exatamente o contrário.

Basta consultar estudos comparativos realizados pelo BNDES no ano passado. A conclusão desse relatório, preparado para sustentar decisões de política econômica, nesta área: em todos os países desenvolvidos, sem exceção, o governo teve um papel “imprescindível” (expressão utilizado pelo BNDES) na construção e consolidação da indústria de informática. Em todos os países, sem exceção, houve proteção a empresas locais, discriminação a empresas e produtos importados, reservas de mercado formais ou disfarçadas. Tudo para que o poder de decisão nacional, nesta e em outras áreas, não fosse transferido para multinacionais ou governos estrangeiros. O exemplo da Coréia do Sul, um dos famosos “tigres asiáticos”, sempre lembrado pelos porta-vozes do governo para defender a política de abertura agora em execução, demonstra o tamanho do equívoco que vem sendo cometido pelo governo, no Brasil. Numa primeira etapa, ainda nos anos 60, a Coréia – ou melhor, o governo coreano – decidiu investir pesado na formação de um parque industrial voltado para a produção de televisores, rádios e bens de consumo eletrônicos. Produção em larga escala, a ser consumida por um mercado interno fortalecido por políticas de redistribuição da renda, destinando-se o excedente ao mercado externo.

Estava criada a base para o desenvolvimento de tecnologias de ponta. Numa fase seguinte, utilizando as mesmas máquinas e equipamentos implantados para a indústria eletrônica, já na década de 80, começam os investimentos em informática – sempre com o governo bancando créditos, incentivos, proteção e assegurando mercado através das compras das empresas estatais, reservadas preferencialmente para as empresas de capital coreano. Essa estratégia permitiu que os equipamentos de informática fossem, proporcionalmente, produzidos em pequena escala, o que aumentaria os custos, não fosse o amplo mercado conquistado pela indústria eletrônica como um todo. Tanto que, lá, a indústria de informática representa apenas 15% da produção total do complexo eletrônico, com os bens de consumo respondendo por 65% da produção. No Brasil, há um obstáculo estrutural, que não será vencido pela simples abertura a importações. Aqui, a produção de equipamentos de informática responde por 38% do setor eletrônico, com os bens de consumo ficando com apenas 39%.Tanto que, na comparação com os preços praticados no mercado internacional, televisores e videocassetes – para ficar nesses dois exemplos – são ainda mais caros, no Brasil, numa proporção que supera a diferença entre os preços dos produtos de informática aqui dentro e lá fora. Claramente, o erro não está na reserva de mercado. Mas na abertura indiscriminada às multinacionais. (Lauro Filho, interino)



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